Relato sobre Mindfulness – Autor: Danilo Nogueira de Almeida

“Não Tenho Pressa 

Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega –
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui”.

Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”
Heterónimo de Fernando Pessoa

Chegado o final dessa nossa caminhada, percebo que essa vivência de 8 semanas nos deu ferramentas para fazer mudanças em nossa consciência, nosso estado de espírito, e em nossas vidas como um todo. Na minha percepção, não temos como fazer mudanças radicais ou nos transformarmos completamente em 8 semanas. Mas, pelo que observei, o propósito desse programa nunca foi impor uma mudança rápida ou radical em nossas vidas, ou eliminar sofrimentos ou pensamentos negativos, ou mesmo sintonizar nossa mente exclusivamente em pensamentos e atitudes positivos.

Compreendi que, no lugar disso, o programa nos faz um convite, sem prazo de validade ou qualquer tipo de pressão, para ocuparmos um lugar que a vida a todo momento nos oferece e que está sempre disponível para nós.

Trata-se de um convite para viver verdadeiramente e estar presente e em contato com o aqui e o agora. Esse lugar, que somos convidados a ocupar, pode estar em cada centímetro quadrado que reveste nosso corpo, ou na brisa que toca nosso corpo, nos sons que chegam a nossos ouvidos, nos aromas que chegam a nossas narinas, cada sabor que nossa língua é capaz de conhecer, ou texturas que nossa pele é capaz de perceber.

O que isso proporciona, segundo puder perceber, é uma experiência de constante redescoberta, distanciando-nos dos caminhos já batidos que nossa mente e corpo simplesmente seguem por impulso, ou por estarmos condicionados a fazer e sentir sempre as mesmas coisas. Em vez de deixar que nosso piloto automático atribua conteúdo positivo ou negativo a esses estímulos, será que não somos capazes de superar essa barreira e permitir que nossa mente observe, compreenda e dê a devida destinação a esses mesmos estímulos, de forma consciente e sem julgamento? Depois de ter participado do programa, posso afirmar que a resposta é sim, e adotar essas atitudes faz parte da essência do mindfulness.

Aprendi que a atitude mindfulness também nos convida a tomar consciência do turbilhão de pensamentos e sentimentos que vêm e vão, como borboletas (ou talvez, moscas) que passam diante de nossos olhos, mas que, apesar disso, não estão aprisionadas em nossa atmosfera. Por mais que, algumas vezes, pareçam se deter por mais tempo ou nos provocar alguma agitação ou perturbação, é da natureza deles, os pensamentos, ir e vir a todo tempo, e uma certeza que podemos ter é de que, se permitirmos, eles sempre tomarão seu rumo natural e em algum momento nos deixarão. Até porque, no lugar de combater esses pensamentos, a proposta do mindfulness é a de tomar consciência deles, ser gratos por aquilo que eles podem nos alertar ou comunicar, e deixar que se vão, na medida em que não forem o foco da nossa atenção intencional no momento presente.

Mas não é apenas isso. Entendi que o mindfulness não pretende nos isolar numa caixa fechada, ou fazer com que vejamos o mundo apenas sob nossa lente pessoal. A proposta vai muito além disso, pois as últimas sessões do programa nos ajudaram a entender e refletir que as mesmas reações, anseios e emoções que existem em nós também já existiram, existem ou existirão naqueles ao nosso redor. A forma como lidamos com essas pessoas deveria sempre partir dessa premissa, independentemente de quem seja a pessoa e qual o grau de importância que ela representa para nós.

E, adotando essa postura, poderemos compreender que somos fruto de nossa própria história, de nossa experiência de vida, que é sempre única, pessoal e intransferível. Essa visão nos ajuda a cultivar a atitude de compaixão – não para simplesmente aceitarmos as coisas como elas são, mas sobretudo para nos colocarmos também no lugar do outro, entendendo as necessidades que existem por trás de cada atitude ou comportamento. E, com isso, buscar conciliar interesses e visões de mundo, isto é, derrubar os muros que erguemos para nos separar do próximo e buscar reconstruir e ressignificar nossas relações.

“Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma”. Alberto Caeiro

Autor: Danilo Nogueira de Almeida

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Psicólogo clínico