A CAPACIDADE NEGATIVA

Tenho um amigo que é arqueólogo há anos e trabalha nas escavações da antiga cidade de Pompeia, na Itália. Ele me disse um dia, que o maior perigo para as descobertas antigas não é apenas o tempo ou a lava misturada com terra de pedra que destruiu a cidade há milhares de anos. O maior perigo para escavações ou qualquer coisa antiga são as minúsculas sementes de grama. Eu, que vivi muitos anos em lugares antigos, confirmo isso. As sementes transportadas pelo vento, escorregam para as minúsculas fendas existentes nas pedras, que formam paredes ou telhados e, quando encontram um pouco de terra e água, sem pressa, começam a germinar. Ao brotar, elas abrem espaço e aumentam a rachadura original para que mais água e quaisquer outras sementes possam se infiltrar nessa mesma nova rachadura. A força da vida não tem medo das condições desfavoráveis ​​de uma antiga muralha, abre caminho e cria uma nova vida.

Em 1817, o poeta romântico John Keats usou a expressão “capacidade negativa” para definir o que deveria ser a principal característica do Homem de Realizações. Ele a chamou de “negativa” para contrastá-la com a necessidade “positiva” que muitas vezes temos de intervir nos problemas que encontramos, aplicando imediatamente uma atitude baseada na solução rápida. Segundo Keats, esse pegar o touro pelos chifres, esse partir e encarar a situação que se apresenta, pensar imediatamente em uma forma de submeter a realidade à nossa vontade é, antes de tudo, uma forma de não pensar e fugir.

De fato, ele definiu habilidade negativa, como aquela habilidade que um homem possui se souber perseverar nas incertezas através de mistérios e dúvidas, sem se deixar levar por uma busca vagarosa de fatos e razões. A aplicação imediata de uma solução é, na maioria dos casos, o exato oposto da capacidade negativa: é, antes, uma resposta automática, através de uma forma que restabelece rapidamente o status quo, resolvendo a dissonância que um problema nos apresenta.

A capacidade negativa é parar na incerteza, ouvi-la e entender o que ela está nos ensinando. Às vezes é melhor passar um pouco mais de tempo observando, ouvindo e se acalmando, para depois encontrar a solução certa, do que agir rapidamente com base em modelos mentais pré-estabelecidos, que têm apenas um efeito analgésico. A capacidade negativa é agir com o coração, é não ser escravo das situações da vida, vai além da reação impulsiva.

Está amplamente demonstrado que as práticas de atenção plena, se realizadas regularmente, aumentam a capacidade do indivíduo de aceitar os fatos da vida como eles são. Aceitar a realidade significa ir além do dualismo “gosto-não gosto”, isso leva à observação sem julgamento dos próprios fatos.

A aceitação da realidade é a base e o alimento da capacidade negativa.

A paciência da semente da grama permite que ela cresça e abra espaço em lugares impensáveis. Ela tem fé na força vital dentro de si.

Capacidade negativa é confiar na força vital que existe em cada um de nós.

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Lucio Francesco Saggioro

Monge missionário itinerante de espiritualidade Franciscana, italiano de nascimento e residente na Espanha em Hondarribia. Concluiu dotorado em Teología e Comunicação na universidade Lateranense de Roma. Muito sensível a temas sobre, educação, espiritualidade, sobretudo pelo mundo interior do ser humano. É também pós graduado em Mindfulness e cuidado integral da pessoa pela Universidade de Zaragoza, Espanha.​​​​​​​